quinta-feira, 13 de março de 2008

A baiana da cidade sem nome.

Empregada doméstica, que nunca conheceu outra vida e nunca teve a oportunidade de, nem mesmo, ter algum sonho.

Toca o despertador às quatro horas e trinta minutos da manhã. Eliene Reis Aguiar, mais conhecida como baixinha, por conta de seus 1,5 metros, está acostumada a acordar cedo desde muito pequena. Trabalha como empregada doméstica há trinta e oito anos e já sabe que às oito horas da manhã, impreterivelmente, o café de sua patroa tem que ser servido.
Um entra e sai na cozinha, lava roupa, estende o lençol e alimenta o cãozinho de estimação ao som da rádio Nativa fm e só quando vai regar os vasos na sala é que ela se dá conta de que eu a estou esperando há mais de meia hora. Seu jeito sério e desconfiado contrasta com a sorridente e cantarolante senhora, de aparência sofrida, entretida com suas tarefas diárias. Diz ser tímida e não saber se comportar diante de pessoas com quem nunca conversou e já vai logo avisando que não vai responder todas as perguntas. Mas a conversa flui naturalmente e a desconfiada baixinha revela sua história de uma maneira emocionante e encantadora.

- A senhora nasceu em que cidade da Bahia?
- (Silêncio...) Na verdade, a minha cidade não tem nem nome. Porque era um sítio e não tinha nome. Ainda hoje, não tem nome. A minha cidade, acho que nem existe no mapa.

Eliene, irmã número cinco de uma família de doze irmãos, deixou seus pais e sua cidade sem nome ainda quando criança. Veio com sua tia para a grande cidade de São Paulo, em busca de uma vida melhor, “como se diz por aí”.
Sua infância foi marcada por não ter existido. Trabalhou na roça, por conta de seu pai e aos onze anos de idade começou a trabalhar em casa de família. Afirma que se pudesse mudar alguma coisa de seu passado, gostaria de estudar. Mas por nunca ter tido essa oportunidade, nem pensou em alguma outra profissão que gostaria de seguir.
Hoje é casada, muito bem casada, há trinta anos e mãe de três filhos, dois casados e um solteiro, que dá muito trabalho. Lamenta por não ter conseguido pagar a faculdade de nenhum de seus filhos. “Meu filho mais novo é professor, não fez faculdade, mas fez magistério. Pelo menos já tá melhor que eu né? Agora a esperança é os três netos, mas só Deus sabe se é possível. Cada vez as coisas ficam mais difícil né?”.
Já mais tranqüila e menos desconfiada, garante que sua sorte foi encontrar patroas muito generosas e amigas, pois “vida de limpeza não é fácil não!”. Eliene tenta se contentar com a vida que leva. “Sonho, a gente sempre tem né? Mas eu acho que o que tinha que acontecer, já aconteceu”.

- A senhora tem alguma lembrança da sua infância? Alguma coisa ou situação que te marcou?
- Olha, uma coisa que me marcou muito foi que eu morria de medo dos meus patrãos. Quando eu ia trabalhar, tinha muita menina assim do nordeste né? E eu morria de medo de algum patrão bater na minha porta quando fosse meia noite. Dormia em quarto separado, mas sabe como são essas coisas né? Graças a Deus, não aconteceu nada, mas passei muita noite acordada, com medo.

- E de alguma história engraçada, a senhora se lembra?
- Engraçada mesmo, acho que nenhuma.

Hesitante, Eliene confessa que se pudesse, por apenas um dia, inverter os papéis com sua patroa, tentaria entender melhor a situação de quem trabalha para ela e ajudaria se fosse possível, com o que fosse possível. E um único sonho, “posso ser sincera? Eu queria mesmo era ter um casão como os que eu trabalhei, mas não acredito em milagres”.
Ao ser questionada sobre seu futuro, Eliene não sabe bem o que a espera. Acha que nunca terá a oportunidade de se aposentar, mas espera poder descansar, pra compensar o tanto que trabalhou na vida.
Enquanto isso, segue sua vida, de segunda a sexta-feira trabalhando e de fim de semana, aproveita pra tomar umas cervejas e dar umas risadas nos churrascos dos amigos vizinhos, lá em Carapicuíba, aonde mora, “porque ninguém é de ferro né?”.

A.