quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Juntando sonhos num cofrinho



Quando vi o trailer de Up, altas aventuras, já o anotei na minha listinha de filmes que não poderia deixar de assistir. A animação continha os três elementos que eu mais gosto: um velhinho rabugento que se torna o vovô fofinho, uma criança gordinha e ingênua e um sonho. Isso tudo misturado com muitos balões coloridos, uma casa que voa e um animalzinho de estimação. Tentei de tudo mas não consegui assistir ao filme quando este ainda estava nas salas de cinema. Esqueci. Mas num voo de 8 horas ele se lembrou de mim. Pela primeira vez, eu estava realmente feliz em não ter o mínimo de sono dentro do transporte que, por mais que seja o mais seguro do mundo, me apavora tanto.

Tirando a meia horinha do que os comissários de bordo têm coragem de chamar de janta e a tentativa sem sucesso de tentar fazer a criança do meu lado parar de chorar, teria tempo de sobra para apreciar um filminho light, de sessão da tarde, para crianças. Supostamente para crianças. Fiquei em choque. Quando o letreiro apareceu na tela preta, não sabia se tentava dormir de indignação ou chorava. Que raios de filme para criança tão violento, real e sem final feliz era esse?
Depois de muita frustração (por não conseguir dormir e por não ter gostado da única coisa que me animara naquele voo) e em meio a uma área de turbulência, pensei. Acho que esse filme foi feito para adultos. Mesmo. Imagino que se meu pai o tivesse assistido poderia me dar uma explicação que faria incontestável sentido e que deixaria o filme belo e até poético.

Um menino encontra uma menina que passa a ser o seu mundo. Ela é faladeira, tem muitos sonhos e um brilho lindo no olhar. Ele é quietinho e não tem muitas motivações. Um completa o outro. Até aí, tudo bem. Nada que já não tenha visto ou vivido antes. Mas a parte que mais me chama atenção é a parte do cofrinho. Eles juntam moedas com muito suor em busca de um sonho, mas precisam usá-las para consertar o carro, pagar a conta do hospital, comprar um sofá novo. A realidade sempre quebra o cofrinho. Meu pai acharia isso bonito. Acho que adultos sabem que é assim que a vida funciona. Que sonhos são para ser sonhados e muitas vezes não realizados. Mas eu não. Pode me chama de ingênua, mas eu ainda sonho muito. Ainda acredito que os meus velhos planos de mudar as pessoas e conhecer o mundo podem ser concretizados. Tá aí: velhinhos rabugentos e fofinhos podem ser crueis.

Depois de muita violência e mais decepções ao longo dos longos minutos de filme, por fim o fim e mais uma quebrada de pernas: não, o pai do menininho fofinho não vai se conscientizar que tem um filhinho lindo e bom e não, ele não vai comparecer ao que era o mais importante para a coitada da criança. Ai, como o mundo é frio.

Desliguei a TV do avião me perguntando como que o menininho fofinho e decepcionado pelo pai ainda sorria pelas ruas da cidade, tomando sorvete com aquele velhinho rabugento que a princípio nem o queria em sua vida. A vida é dura e pega nossas moedas dos sonhos, mas ainda se pode ser feliz¿ Acho que o menininho gordinho e ingênuo mostrou ao velhinho rabugento que ainda se pode sonhar e o transformou num vovô fofinho. E acho também que o já transformado vovô fofinho mostrou ao menininho gordinho e esperançoso que sempre terá alguém ao seu lado, por mais que não seja quem você imaginava.

É, acho que posso conviver com isso. Mas, ainda assim, não quero que a realidade venha quebrar o meu cofrinho.

A.

Um comentário:

Anônimo disse...

A realidade é cruel, amiga! Os sonhos serão sempre sonhos, e mesmo quando realizados, nunca nos daremos por satisfeitos! A insatisfação --- sentimento inerentemente humano --- nos acompanha até o leito de morte; e só não passa desse ponto, porque não poderemos mais opinar (reclamar) sobre a cor, a qualidade da madeira e a estética do nosso caixão, for example!
Abs, Robson.

PS: perdoe-me pelo pessimismo!